Na pátria do mundial, a exibição do bem-estar é acompanhada pela ditadura do consumo de drogas
“Vivemos uma crise nesta época, isso porque está em crise a vida, seus valores, as relações e as pessoas. Triunfam em várias partes os pensamentos fracos, o relativismo intelectual e moral, o consumismo, o hedonismo com a busca da felicidade a qualquer preço. Corre-se o risco de se reduzir a coisas, objetos descartáveis comprados, idolatrados e logo esquecidos. O progresso nos abriu a possibilidade maravilhosa de uma comunicação global e de fazer do mundo uma casa comum. Mas é sempre mais difícil dialogar com os filhos, entre marido e mulher, entre papai e mamãe, vizinhos de casa, colegas de trabalho e de escola, Igrejas e tradições religiosas diferentes. Somos frequentemente ilhas que se comunicariam, mas nos sentimos sempre mais sós e perdidos no anonimato; mesmo a comunicação com Deus se torna difícil” (Do inferno, um grito de amor. Entre os escravos do crack).
Neste diagnóstico da humanidade aparece o drama do nosso tempo, que para alguns se tornou um verdadeiro inferno na Terra. O drama das drogas. Esta análise vem de um livro que retrata a história do padre Renato Chiera, sacerdote, que há 36 anos anda pelas ruas do Brasil entre os últimos, os esqueletos ambulantes à procura de sua dose diária de esquecimento: o crack, talvez a pior droga do mundo. Cruel porque imediata e ao mesmo tempo de efeito rápido, cria uma dependência quase instantânea, é feita com a cocaína e restos de qualquer coisa, até mesmo cal. Provoca danos inacreditáveis também nos pulmões e no coração.
É uma droga sem fascínio, dos “perdedores”. Neste inferno da “cracolândia” no Rio de Janeiro, o padre Renato lembra um grito desesperado: “‘Dê-nos Deus e Sua Palavra, ou não seremos capazes de sair daqui’. Nunca tinha ouvido um pedido de ajuda assim claro e forte em 47 anos de sacerdócio. Fez-me pensar muito: de qual Deus precisa este mundo, tão desesperado de consolar-se consumindo drogas até morrer? Hoje se vendem muitas faces de Deus, de formas diferentes umas das outras. O homem nestes tempos precisa nem tanto de mestres, mas de samaritanos que se inclinam sobre as feridas da humanidade que quer sentir-se amada por um Deus pai e mãe, misericórdia infinita, que não condena, mas quer somente salvar. O mundo está ferido e precisa se sentir filho: somente assim conseguirá também escutar e aceitar valores propostos pela Igreja”. Vem à mente os ensinamentos constantes do Papa Francisco, que insiste na necessidade de gesto, carícia, abraço, sorriso, realizado por todos nós, por cada um de nós. Imagina de quanto amor necessitam os homens e as mulheres que padre Roberto encontra no seu caminho no “mundo da noite”, nas ruas.
E é notícia destes dias segundo a qual, em sete anos, os mortos causados pelas operações da polícia no Rio chegam a mais de 5.500, mas segundo as ONGs são o triplo. A Unicef adverte que no último mês foram cerca de 3.800 os relatos de violência contra crianças e adolescentes, e que no Brasil são cerca de três milhões de meninos e meninas entre 10 e 17 anos envolvidos no trabalho de menores. Padre Renato Chiera, fundador da “Casa do Menor”, no Rio de Janeiro, há 36 anos está próximo dos “meninos de rua” e disse à Rádio Vaticano, no dia 23 de junho: “a ‘cracolândia’ é o espelho de uma sociedade drogada. Mas o governo não compreende isso, infelizmente. Tem uma visão muito materialista: é um problema social, econômico, mas o enfrentamos como problema de polícia. O governo vê como um problema de segurança pública. Nós buscamos fazer com que o governo entenda que o problema é muito mais sério. Mas o governo não tem condição de chegar na alma, não tem os instrumentos para captar este grito. No Rio, o governo vê o problema da ‘cracolândia’ como um problema de polícia: é um caminho errado, porque estas pessoas que estão nestas periferias da sociedade são já jogadas fora, receberam muita violência. E nós queremos salvá-las fazendo isso com violência? O governo está ocupando as favelas para acabar com o narcotráfico e está fazendo cercos contra os seus filhos, porque eles têm medo. É uma abordagem para a polícia de segurança. As favelas e as ‘cracolândias’ são regiões de guerra, plenas de policiais permanentes que estão nestas áreas onde prenderam os traficantes, mas eles permanecem. Agora, é um momento de tumulto porque os traficantes estão retornando e estão agredindo os policiais, mais de cem policiais foram assassinados”. Violência chama violência.
Fonte: Aleteia