Encarar a obesidade, melhorar as dietas e elevar os níveis de nutrição são os assuntos de maior relevância desta conferência, segundo as declarações feitas nesta quinta-feira pelo diretor geral da Organização para a Agricultura e Alimentação (FAO), o brasileiro José Graziano da Silva, em seu discurso de boas-vindas ao Santo Padre.
Graziano agradeceu pela histórica visita do pontífice à sede da FAO e destacou que "não podemos permanecer indiferentes diante da fome que afeta mais de 800 milhões de pessoas".
Nesta linha, ele apontou que "a solidariedade na erradicação da fome e da miséria e em tornar realidade a segurança alimentar para todos são pilares fundamentais do futuro sustentável que queremos, independentemente de raça, religião ou recursos (...) A erradicação da fome e da miséria devem ser as bases de um futuro melhor para todos. É o que queremos com a agenda de desenvolvimento pós-2015 e para a qual estamos contribuindo com esta conferência".
O responsável pela FAO assegurou ainda que "os valores humanos, sociais e éticos que Sua Santidade defende estão presentes na Declaração de Roma sobre a Nutrição e no seu Marco Associado de Ação, que esta conferência adotou ontem". Assim, "pela primeira vez na história, a humanidade pode dizer que a miséria não é um destino fatal e que a fome é perfeitamente evitável".
Por último, Graziano observou que "a obesidade afeta 500 milhões de adultos e é um problema crescente, em especial nos países em desenvolvimento e de renda média". Por este motivo, destacou a necessidade de "garantir uma nutrição melhor e o direito à alimentação adequada para todos".
O interesse dos países pela melhora da nutrição das suas populações parece evidente. Prova disto é que o encontro contará com mais de 90 ministros da Agricultura e da Saúde de todo o mundo. Está prevista, além disso, a participação de representantes governamentais de alto nível de 170 países, organizações intergovernamentais, agências das Nações Unidas, membros da sociedade civil, fundações, setor privado e especialistas do mundo inteiro.
Papa Francisco também discursou nesta Segunda
Conferência Internacional sobre Nutrição.
O faminto "nos pede dignidade, não esmola"
"Com sentimento de respeito e apreço, apresento-me hoje aqui, na Segunda Conferência Internacional sobre Nutrição. Agradeço-lhe, senhor Presidente, a calorosa acolhida e as palavras de boas-vindas que me dirigiu. Saúdo cordialmente o Diretor-Geral da FAO, o Prof. José Graziano da Silva, e a Diretora-Geral da OMS, a Dra. Margaret Chan, e alegra-me a sua decisão de reunir nesta Conferência representantes de Estados, instituições internacionais, organizações da sociedade civil, do mundo da agricultura e do setor privado, com a finalidade de estudar juntos as formas de intervenção para garantir a nutrição, assim como as mudanças necessárias que devem ser acrescentadas às estratégias atuais. A total unidade de propósitos e de obras, mas, sobretudo, o espírito de fraternidade, podem ser decisivos para soluções adequadas. A Igreja, como vocês sabem, sempre procura estar atenta e solícita em relação a tudo o que se refere ao bem-estar espiritual e material das pessoas, primeiramente das que vivem marginalizadas e estão excluídas, para que sua segurança e dignidade sejam garantidas.
1. Os destinos de cada nação estão mais do que nunca entrelaçados entre si, como os membros de uma mesma família, que dependem uns dos outros. Porém, vivemos numa época em que as relações entre as nações estão demasiadas danificadas pela suspeita recíproca, que às vezes se converte em formas de agressão bélica e econômica, mina a amizade entre irmãos e rechaça ou descarta quem já está excluído. Conhece bem esta realidade quem carece do pão cotidiano e de um trabalho decente. Esta é a situação do mundo, em que é preciso reconhecer os limites de visões baseadas na soberania de cada um dos Estados, entendida como absoluta, e nos interesses nacionais, condicionados frequentemente por poucos grupos de poder. Isso está bem explicitado na leitura da agenda de trabalho dos senhores, para elaborar novas normas e maiores compromissos para alimentar o mundo. Nesta perspectiva, espero que, na formulação desses compromissos, os Estados se inspirem na convicção de que o direito à alimentação só será garantido se nos preocuparmos com o sujeito real, ou seja, com a pessoa que sofre os efeitos da fome e da desnutrição.
Hoje em dia se fala muito em direitos, esquecendo com frequência os deveres; talvez nos preocupemos muito pouco com os que passam fome. Além disso, dói constatar que a luta contra a fome e a desnutrição é dificultada pela «prioridade do mercado» e pela «preeminência da ganância», que reduziram os alimentos a uma mercadoria qualquer, sujeita à especulação, inclusive financeira. E enquanto se fala de novos direitos, o faminto está aí, na esquina da rua, e pede um documento de identidade, ser considerado em sua condição, receber uma alimentação de base saudável. Pede-nos dignidade, não esmola.
2. Estes critérios não podem permanecer no limbo da teoria. Pessoas e povos exigem que a justiça seja colocada em prática; não apenas a justiça legal, mas também a contributiva e a distributiva. Por isso, os planos de desenvolvimento e de trabalho das organizações internacionais deveriam levar em consideração o desejo, tão comum em meio às pessoas comuns, de ver que se respeitam em todas as circunstâncias, os direitos fundamentais da pessoa humana e, no nosso caso, da pessoa faminta. Quando isso acontecer, as intervenções humanitárias, as operações urgentes de ajuda ou de desenvolvimento – verdadeiro e integral – terão maior impulso e darão os frutos desejados.
3. O interesse pela produção, a disponibilidade de alimentos e o acesso a eles, as mudanças climáticas, o comércio agrícola, devem certamente inspirar regras e medidas técnicas, mas a primeira preocupação deve ser a própria pessoa, aquelas que carecem de alimento cotidiano e que deixaram de pensar na vida, nas relações familiares e sociais e lutam apenas pela sobrevivência. O Santo Papa João Paulo II, na inauguração desta sala na Primeira Conferência sobre Nutrição, em 1992, alertou a comunidade internacional para o risco do “paradoxo da abundância”: existe comida para todos, mas nem todos podem comer, enquanto o desperdício, o descarte, o consumo excessivo e o uso de alimentos para outros fins estão sob nossos olhos. Infelizmente, este “paradoxo” continua sendo atual. Poucos temas apresentam tantos sofismas como os que se relacionam à fome; e poucos assuntos são tão suscetíveis de ser manipulados por dados, estatísticas, exigências de segurança nacional, a corrupção ou lamentos melancólicos sobre a crise econômica. Este é o primeiro desafio a ser superado.
O segundo desafio que se deve enfrentar é a falta de solidariedade. Nossas sociedades se caracterizam por um crescente individualismo e pela fragmentação; isto termina privando os mais frágeis de uma vida digna e provocando revoltas contra as instituições. Quando falta a solidariedade em um país, todos ressentem. Com efeito, a solidariedade é a atitude que torna as pessoas capazes de ir ao encontro do próximo e fundar suas relações mútuas neste sentimento de fraternidade que vai além das diferenças e dos limites, e encoraja a procurarmos, juntos, o bem comum.
Se tomassem consciência de ser parte responsável do desígnio da Criação, os seres humanos seriam capazes de se respeitar reciprocamente, ao invés de combater entre si, danificando e empobrecendo o planeta. Também os Estados, concebidos como uma comunidade de pessoas e de povos, se fossem exortados a atuar de comum acordo, estariam dispostos a ajudar-se uns aos outros, mediante princípios e normas que o direito internacional coloca à sua disposição. Uma fonte inesgotável de inspiração é a lei natural, inscrita no coração humano, que fala uma linguagem que todos podem entender: amor, justiça, paz, elementos inseparáveis entre si. Como as pessoas, também os Estados e as instituições internacionais são chamadas a acolher e cultivar estes valores, no espírito de diálogo e escuta recíproca. Deste modo, o objetivo de nutrir a família humana se torna factível.
4. Cada mulher, homem, criança, idoso, deve poder contar em todas as partes com estas garantias. E é dever de todo Estado, atento ao bem-estar de seus cidadãos, subscrevê-las sem reservas, e preocupar-se com a sua aplicação. Isto requer perseverança e apoio. A Igreja Católica procura oferecer também neste campo sua contribuição, através de uma atenção constante à vida dos pobres em todos os lugares do planeta; nesta mesma linha se insere o envolvimento ativo da Santa Sé nas organizações internacionais e com seus múltiplos documentos e declarações. Pretende-se deste modo contribuir para identificar e assumir os critérios que o desenvolvimento de um sistema internacional equânime deve cumprir. São critérios que, no plano ético, se baseiam em pilares como a verdade, a liberdade, a justiça e a solidariedade; ao mesmo tempo, no campo jurídico, estes mesmos critérios incluem a relação entre o direito à alimentação e o direito à vida e a uma existência digna, o direito a ser protegidos pela lei, nem sempre próxima à realidade de quem passa fome, e a obrigação moral de partilhar a riqueza econômica do mundo.
Se se crê no princípio da unidade da familia humana, fundado na paternidade de Deus Criador, e na fraternidade dos seres humanos, nenhuma forma de pressão política ou econômica que se sirva da disponibilidade de alimentos pode ser aceitável. Mas, acima de tudo, nenhum sistema de discriminação, de fato ou de direito, vinculado à capacidade de acesso ao mercado dos alimentos, deve ser tomado como modelo das ações internacionais que se propõem a eliminar a fome.
Ao compartilhar estas reflexões com os senhores, peço ao Todo Poderoso, ao Deus rico em misericórdia, que abençoe todos aqueles que, com diferentes responsabilidades, se colocam a serviço dos que passam fome e sabem atendê-los com gestos concretos de proximidade. Peço também para que a comunidade internacional saiba escutar o chamado desta Conferência e o considere uma expressão da comum consciência da humanidade: dar de comer aos famintos para salvar a vida no planeta. Obrigado."
(Fonte: Canção Nova)
Fonte: Zenit
Cabe a nós todos que temos acesso à alimentação digna, fazermos a nossa parte para ajudar a reduzir esse grande problema, através do não desperdício diário, evitando jogar comida fora, reaproveitando alimentos em receitas alternativas, evitando o amassamento de alimentos em supermercados e hortifrutis, colocando no prato somente aquilo que conseguiremos comer, etc.
Não é muito, mas é o que podemos fazer no dia-a-dia, e que diminuirá o desperdício.
Os restaurantes, lanchonetes e outras casas que trabalham com alimentação, deveriam também evitar de todas as formas o desperdício no preparo dos alimentos e no seu manuseio.
Os produtores rurais pequenos e grandes, os transportadores, e os grandes entrepostos de distribuição de alimentos, da mesma forma, deveriam evitar o desperdício imenso que acontece diariamente.
Enfim, todos fazendo a sua parte, conseguiremos, diminuindo só o desperdício, disponibilizar o alimento àqueles que hoje ainda não têm acesso a ele.
Da mesma forma, os governos dos países cuja população ainda passe fome, devem adotar políticas de cultivo e de distribuição mais justas e com o intuito de realmente alimentar suas populações que passam fome.
Já os governos dos países ricos devem, além de fornecer o alimento, fiscalizar e cobrar dos governos dos países pobres, que esses alimentos cheguem a quem realmente precisa dele.
Como diz o nosso querido Papa Francisco, o que está faltando à humanidade é a caridade verdadeira.